Diário de uma alcoólatra
Inauguro neste post a temporada de participação de meus pacientes neste espaço. A iniciativa “Diário de uma alcoólatra” é fruto do convite feito a uma paciente que ama escrever e que decidiu voluntariamente compartilhar comigo seu relato de luta contra a adicção.
Uma das ideias desta iniciativa é permitir que as pessoas percebam que nossos problemas não são tão nossos e que podemos encontrar pessoas que compartilham de lutas parecidas e que deram a volta por cima. Ou simplesmente conseguimos baixar a guarda um pouco e exigir menos de nós mesmos, aceitando que todos passamos por dificuldades e que o mais importante é conseguirmos nos vulnerabilizar e pedir ajuda. Os maiores problemas que enfrentamos atualmente se referem ao individualismo e à crença que podemos “dar conta de tudo sozinhos”, aí quando surge um problema mais complicado, como uma adicção, nós afundamos como em areia movediça. Afinal, todas as saídas foram construídas por nossa solidão desesperada, e o alcoolismo é uma solução individualista, como todas as compulsões são.
Fazemos de tudo para esconder nossas vergonhas, sombras, defeitos, falhas de caráter, com sorrisos e sedativos; até que um dia eles saem por nossos ouvidos, vazam pelas rachaduras de nosso desmoronamento.
“Tive as piores experiências da minha vida em muito tempo. Doce ilusão aquela em que achamos que nos encontramos no fundo do poço, até perceber que esse fundo não tem fim. Ou você se agarra na parede ou continuará caindo mais e mais fundo.
O autoengano, a autoindulgência são como o fogo.
Eu vivia afirmando o meu alcoolismo como se dizer em voz alta fosse fazer eu me auto conscientizar, me responsabilizar, e, pior ainda, me controlar diante de uma doença assustadora que me atormenta de forma silenciosa e que está me matando. Eu achava que dando um nome a minha obsessão pela bebida, e em muitos momentos rindo e debochando, normalizando indiretamente o alcoolismo eu fosse conseguir controlar.
Que piada. Querer controlar o que está me controlando completamente.
Tive que chegar no maior dos desesperos, em uma angústia, raiva e dor absurda e um medo avassalador de perder que me é mais caro. E acredito que seja a primeira vez que eu escreva isso com muito desespero, muita impotência e totalmente fora de controle.
Meu nome é Manuela e eu sou alcoólatra.”
Podemos dizer que somos alcoólatras e continuar bebendo. Parar de beber por um período apenas para nos acalmar, para silenciar aquela intuição que nos diz que algo está errado, e logo depois afundarmos e beber como nunca - isso fala de nossa capacidade infinita de autoilusão. Ficamos tranquilos, afinal, não estamos tão perdidos quanto a gente pensava!
Deixar a autoilusão e começar a ler os doze passos dos AA é uma decisão diferente. Escrever um diário também é um exercício de “auto honestidade”, no qual podemos exercitar e compreender que precisamos de coragem para aceitar algumas coisas a nosso próprio respeito. Assumir, escrever e aceitar são partes indissociáveis deste grande exercício de encarar as coisas que jogamos no porão do inconsciente.
Normalmente indico aos meus pacientes que mentir para mim é tranquilo, ou para outras pessoas, porque eventualmente somos pegos. O problema é quando mentimos para nós mesmos, aí como vamos ser pegos? Todo aquele que mente para os outros, sempre começa mentindo para si mesmo.
Honestidade e autoaceitação são temas centrais de nossa vida. Esse percurso irá continuar em próximas postagens.
Se você gostou e quer contribuir com sua história, é só entrar em contato - será um prazer plantar suas histórias neste espaço!